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ESCUTATÓRIA

ESCUTATÓRIA

 

Do genial Rubem Alves, lá das Minas Gerais…

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar… Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.Diz Alberto Caeiro que… não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.  Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade… 

A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor… Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração…E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor… Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos…

Um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança…

Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio… Abrindo vazios de silêncio… Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos… Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. 

Se eu falar logo a seguir… São duas as possibilidades.Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. 

Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência… E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras… No lugar onde não há palavras. 

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. 

No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia… Que de tão linda nos faz chorar…

 Para mim, 
Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros:

A beleza mora lá também.É quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

 

Editor - G.D. Rueda

Desenvolvedor de sistemas, palhaço, DJ, palhaço hospitalar, administrador do site e integrante do grupo Cata-Vento da Alegria.

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