(Texto Resumido de trecho do Livro “ Quem me roubou de mim” Fábio de Melo)
“ Há sempre um aprendizado a ser recolhido depois da dor. Alegrias costumam ser preparadas no silêncio de duras esperas. Não é justo o sofrimento, sem que delas nasçam experiências. Sentir medo é um jeito estranho de atribuir autoridade a alguém; de lhe entregar o direito de nos assombrar constantemente. Paralisados pelo medo, de alguma forma, estamos privados de nós mesmos; o cão tem o poder de perceber o nosso medo, e isso o encoraja para nos agredir. Olhá-lo nos olhos é um recurso que inibe o ataque. Toda relação de domínio é sempre estabelecida a partir do medo, é o mesmo que legitimar no outro o comando da situação. Se eu temo o escuro, dou a ele mais poderes que a mim. O MEDO nos faz vítimas, acentua o esquecimento do que podemos ser. O que pode me fazer uma sala escura? Porque tenho medo de ficar sozinho? São perguntas simples para as quais geralmente não temos respostas. A razão não dá conta de jogar luzes sobre certas situações justamente porque ela está paralisada pelo medo que nos priva da inteligência, ainda que temporariamente.
Temer alguém e obedecer às suas ordens são fatos da perda de identidade. No caso do sequestro do corpo, o medo nasce da convicção de que o outro decidirá o destino da vida. Viver ou morrer será uma decisão do sequestrador. É o absurdo de reconhecer que nosso bem mais precioso está nas mãos de quem nos aprisionou. Por isso que em muitos casos de sequestro, a vítima faça questão de estabelecer uma relação amistosa com o sequestrador.
Talvez seja ainda que inconsciente, a necessidade de ser amada pelo inimigo, de despertar-lhe alguma predileção que lhe favoreça a preservação da vida, ou até mesmo de evitar a mutilação de órgãos, tão frequentes nestes casos, por isso tentar relação amistosa. O medo tem o poder de gerar gentilezas agressivas, silenciosas, a manutenção de uma fria guerra entre as pessoas.
Sem resistência, a vítima, pode fazer o sequestro arrastar-se no tempo sem dificuldades. Enquanto houver alguma resistência ao reconhecimento do domínio, o sequestrado ainda representará perigo para o sequestrador, forçando-o a ter atitudes ainda mais violentas.
O fim do sequestro do corpo está sempre ligado ao pagamento, ou não, do valor do resgate. A pessoa sequestrada, agora também está entregue nas mãos daqueles que compõem o seu horizonte de sentido, Diferente, mas continua vitima. Eles decidirão o que fazer; decidirão como pagar, como negociar. É o momento em que a pessoa é exposta ao peso e à medida do seu valor. Nesta: hora uma grande insegurança. A fragilidade do cativeiro lhe faz duvidar até mesmo da predileção de quem está lá fora negociando sua vida. O cativeiro minou seu amor próprio, prejudicou sua auto-estima. “É aí que lhe ocorre uma dúvida cruel: será que existe alguém interessado em me retirar daqui” Será que valho o que está sendo pedido?. Antes, vitima de quem nem sequer sabia o nome, agora, vítima daqueles que a viram nascer e crescer.
O cativeiro minou suas convicções levou-o ao esquecimento do ser. Muitos colocam familiares e criminosos no mesmo patamar. Medo absoluto, indistinto, tomando todos os espaços da existência; dolorosa face do desespero. que cega; que faz esquecer o que temos de mais sagrado. Medo que nos acorrenta aos pés dos nossos sequestradores, e que nos encoraja a pedir que eles tenham piedade de nós, como se fossem deuses, com o poder de nos livrar de nossa fragilidade. Medo que nos faz esquecer o que amávamos; que dilui nossa identificação e que não nos permite mais a diferenciação do mundo.
Olhamos a tudo e a todos do mesmo modo. Olhos com lentes do medo; são os olhos pessimistas. O medo tem o poder de nos fazer pedir o que não queremos. A condição de vítima lhe faz viver o absurdo de uma dependência cega. O intruso, o recém – chegado, assume a centralidade de seus afetos. A relação, fortemente marcada pela dependência, fortalece ainda mais a entrega e a rendição. O dominador reconhece nos olhos do dominado o pedido.
É a postura da vítima que fortalece a figura do sequestrador. Ela lhe autoriza aos poucos a negociar a sua vida, a ser dela um proprietário. E neste momento que se confundem ainda mais os papéis e se acentua a condição total de vítima. Estranhos negociando com familiares e amigos, mas todos dentro da mesma moldura da
insegurança. O mais próximo é o sequestrador. Ele passou a representar uma espécie de "segurança", e por isso a vitima a ele se apega. O sequestro do corpo é uma violência terrível. Resgatar o corpo dessa condição de aprisionamento consiste em devolver-lhe a si mesmo. O corpo, antes acorrentado e negado, volta a se pertencer. Volta para o seu quarto, para seus familiares, para sua casa. Retorna ao seu mundo.
A certeza do amor. Ao ser resgatada, a vitima se reconhece querida, desejada. Cessa a insegurança que antes vivera no cativeiro. Distante do sequestrador ela reassume a condição de identificar a fragilidade que a fez colocar bandido e familiares no mesmo patamar de importância.
Por isso, depois do cativeiro, o aprendizado. Ao ser resgatado, o sequestrado reencontra-se com seu mundo particular de modo diferente. O ser humano acostuma-se com o que tem, com o que ama, e somente a ruptura com o que se tem e com o que se ama abre-lhe os olhos para o real valor de tudo o que estava ao seu redor. As prisões podem nos fazer descobrir o valor da liberdade. “
“Assim como o sequestro, as doenças que nos acometem nos privam de nossa vida de rotina e nos fazem rever valores. Deus sempre nos dá as condições necessárias para podermos crescer interiormente e nos reconduzirmos em nossa caminhada de amor e felicidade.” (T.D.Rueda)